domingo, 11 de setembro de 2011

Ato I - O Ceifeiro do Capuz Carmesim - Parte VII

— Yehan — disse Artemis, durante certo momento após encarar longamente o meio-elfo — Eu não conheço muito bem os homens de sua terra, mas todos aqueles que eu vi ou encontrei não costumavam usar esse tipo de vestimenta.
— A bem da verdade é que há muito não tenho feito parte da sociedade ou estado na companhia dos homens — disse Yehan. Seu rosto trazia os traços rudes dos homens e os traços finos e belos dos elfos num misto perfeito entre imperfeição e suntuosidade. Mas suas roupas de algodão, surradas e cheirando a ervas, bem como os calejados pés descalços despertavam a curiosidade de quem o avistava — Deve ser por isso, talvez seja esse o motivo pelo qual eu esteja aqui hoje. Talvez o rei não goste do povo do campo.
— O rei não liga para o povo do campo, contanto que os camponeses paguem seus impostos em dia — disse Elodin, quase num resmungo — Eu deveria ter ofertado a minha pilhagem que fiz durante o ataque ao rei. Talvez assim ele tivesse poupado meus dedos e minha vida.
— Mas o que me diz de você? — disse Yehan.
— O que você quis dizer quando disse que não está na companhia de homens? — Artemis ignorou a pergunta.
— Eu tenho vivido de forma reclusa — disse Yehan. E com isso, ele pretendia que Artemis encerrasse o assunto por ali.
— É um eremita? — disse Artemis, não percebendo o desconforto do outro.
— Por assim dizer.
— Já ouvi dizer sobre várias pessoas que pareciam viver dessa forma, mas nunca pensei que passassem de boatos.
— Você ficaria surpreso com a quantidade de fatos que vão além da boataria que há por aí — disse Elodin.
— Deve ser por esse motivo que ainda existam pessoas como eu vivendo dessa forma — disse Yehan — Mas a verdade é que os xerifes e comandados não gostam de pessoas que não pagam impostos, como lembrou acertadamente o Elodin.
— Realmente faz todo sentido — disse Artemis.
Artemis era curioso. Vindo de uma família de nobres, era um diplomata bem sucedido em Aliathra, cidade onde cresceu e viveu durante toda a sua vida, estudando História, Geografia e, o seu preferido, pessoas e suas relações. Vindo de uma família de eruditos, não chegava a ser um especialista, mas recebera aulas de piano e interpretação poética desde os seis anos de idade.
— Como você consegue? — disse Yehan. A princípio ninguém entendeu ou percebeu para quem ele estava falando. Era a primeira vez que Yehan tentava se enturmar com seus companheiros de cela, mas logo perceberam que ele olhava para a mão mutilada de Elodin.
— Como eu consigo o quê?
— Você parece estar agüentando bem — disse Yehan — apesar da sua injúria. Seus dedos ainda estão sangrando — Elodin o encarou com um olhar cético durante algum tempo antes de responder alguma coisa. Pensou em retirar as bandagens e mostrar o ferimento aos outros. Ele mesmo estava curioso para vê-los, mas reteve aquela idéia.
— Depois que cortaram meus dedos eles encostaram ferro em brasa na ponta deles — disse Elodin, se lembrando dos momentos de pavor que havia vivenciado. Ele fez uma pausa, perdido naquele momento no tempo que não parecia ter acabado ainda. Os outros apenas o observaram — É claro que não fizeram o serviço direito de propósito. Não queriam que eu fosse agonizante por falta de sangue para a forca. Me queriam são na hora minha morte. A brasa estancou a maior parte do ferimento, mas ainda está sangrando.
         Ninguém disse nada por alguns segundos.
— Mas de que adiantaria? — disse Elodin, completando seu raciocínio — Eu estou indo para a corda, de qualquer forma.
— Muito bem lembrado, meu amigo — disse Argos.
— Embora a gente esteja nessa situação — Artemis falou num tom de voz muito baixo, calando Argos e Elodin que começaram a falar ao mesmo tempo — eu não consigo deixar de acreditar que alguma coisa vai acontecer e nos tirar daqui.
— Não interessa. Nós temos que procurar um meio de sair daqui — disse Argos, completando o que havia começado a falar.
Elodin não era de conversa. Acima de tudo, ele agia. Foi por isso que deixou a conversa de lado e começou a procurar por alguma falha que pudesse servir para arrombamento ou qualquer coisa que eliminasse a porta como obstáculo. Artemis ficou observando Elodin enquanto ele passava a mão pelas barras de aço e pela fechadura na porta. Ele parecia ter técnica naquilo que fazia, ou conhecia as deficiências das portas daquela prisão por já ter trabalhado lá.

0 comentários:

Postar um comentário