sexta-feira, 23 de agosto de 2013

A Minha Liga Extraordinária - Parte 3 (Final)

Bom, com isso termina o que eu tinha escrito...

Alarian caminhava e caminhava, e seus pés não se cansavam.
                Já havia andado muito pelos campos ermos de Eradna até encontrar um barco e cruzar o Mar do Oeste. Difícil achar comerciantes por aqueles lados, vazios de civilização. Mas encontrou um velho coureiro, que viajara com o filho em busca de peles mais exóticas, e tomou condução. Foi difícil convencer os dois a levá-lo, homem bruto, híbrido, aparência selvagem. Mas os modos gentis – e o ouro – conseguiram amaciar seus ânimos.
                A pequena embarcação fedia a coisa morta. As peles frescas seguiam sem muito cuidado. Alarian contemplava o que um dia fora um cervo e maldisse sua sorte. Fechou os olhos e fez uma prece silenciosa. Ironia estar inevitavelmente cercado de morte, inalando-a sem escolha. Logo ele, pregador da Paz e da Vida, as mais sagradas das coisas.
                Desembarcou num portozinho no reino de Hienlore e seguiu rumando a norte, em direção à capital Fianlall. Deixara pai e amigos para trás para varrer o mundo espalhando sua sabedoria, curando doentes e evitando a morte e a profanação. Deixara para trás a desconfiança e a indiferença de quase todos à sua volta.
                A mãe de Alarian era Naria, humana de grande beleza e esposa de Faris, Alto Sacerdote do Templo de Fianlall. Lorde Faris fora enviado a Talaria, raro ponto de civilização na terra dos bárbaros, para conter a mortandade de homens no lugarejo, fruto da inacabável guerra com os monstros que reivindicavam aqueles campos.
                Faris em missão. Cidade desguarnecida. Orcs. Naria.
                A mulher em prantos. Sangue. Horror. Dor. Vergonha.
                Uma mácula se abateu sobre ela após o ataque. Ferida incontornável. A barriga inchava cada dia mais, uma monstruosidade, metade dela, nutrindo-se de seu corpo.
                Faris, sacerdote da Vida, a cabeça a mil. Teve alguns meses para escolher. E escolheu sua fé: aceitaria a criança como seu filho. E então nasceu Alarian, já trazendo ao mundo a morte: a da mãe. E herdando para si aqueles reluzentes olhos azuis.
                As pessoas respeitavam Alarian por sua estirpe e admiravam o Lorde pelo altruísmo. Mas poucos nutriam carinho sincero. Por isso Alarian partira, buscando um lugar no mundo em que não o julgassem tão prontamente. Além disso, precisava se apresentar ao Templo e adquirir a benção de seus superiores. Já era um sacerdote de conhecimento respeitável, mas tudo o que sabia fora aprendido do pai. Desejava agora se tornar conhecido do ordenado e engrossar as fileiras dos missionários.
                O sacerdote viajava seguindo as estradas tortuosas, desviando de montanhas e florestas, incomodado pelo grande número de viajantes, a maioria comerciantes, em fluxo contínuo. Certo dia foi dar em um lugarejo pequeno e simples, mas que inspirava riquezas passadas e, sobretudo, paz. Estranhamente a cidade era repleta de armeiros e o som das bigornas podia ser ouvido de longe. A cidade se espalhava plana e aglomerada, ao redor de um palácio antigo. Alarian ouviu dois comerciantes conversando e descobriu o nome do lugar: Norfolk.
                A estrada ladeava a cidade, contornando-a, mas muitos paravam nas lojas mais à borda, numa venda e compra incessante.
                Alarian resolveu entrar na cidade, impelido pelo cansaço e pela curiosidade. A maior parte das casas era feita de madeira e palha, como em Talaria, mas havia algumas mais opulentas erigidas com pedra e tijolos. O padre tentava entender a cidade, desacostumado que estava à aglomeração de pessoas, e queria ver o palácio. Ouvira falar de construções grandiosas, mas jamais havia visto uma.
                Ele andava, a cidade um misto de silêncio e comércio fervilhante. Quanto mais ele seguia para o centro do lugar, menos viajantes havia e mais estranho ele era. Janelas se fechavam e caminhos eram alterados para evitá-lo. Alarian engoliu a amargura, constatando que daquele lado do Mar do Oeste as coisas começavam a seguir da mesma maneira que em sua terra natal. Tentou ignorar os olhares oblíquos e foi andando para o Palácio.
                Súbito, correria. Um homem sujo e maltrapilho corria com um embrulho de pano na mão, na direção do meio-orc. Gritos de “ladrão, ladrão!” ecoavam ao longe. As pessoas se afastavam, assustadas. Três guardas vinham ao longe, tentando alcançar. O instinto fez com que Alarian se pusesse em perseguição ao larápio, disposto a ajudar o verdadeiro dono daquilo que parecia ser um presente.
                Cada passo do padre era quase dois do ladrão, que se desesperava ante a aproximação constante do perseguidor. Cascos de cavalo batiam contra o chão e se aproximavam. De repente, Alarian sentiu uma pancada brusca e poderosa nas costas e caiu pesado no chão, os cascos do cavalo parando a seu lado. Ele se levantou com dificuldade e o cavaleiro apeou ao seu lado. O mendigo sumia ao longe.
                Figura estranha, o cavaleiro. Armadura completa e espada bem trabalhada, ambas não conseguindo esconder décadas de uso. Uma postura imponente de quem cavalga e luta a duros fardos por toda uma vida, mas um pouco cansada de tanto batalhas. O rosto era repleto de rugas e possuía um bigode fino e um cavanhaque que lhe davam um ar aristocrático. Os olhos eram de um azul brilhante e contrastavam com a brancura dos cabelos, impecavelmente penteados para trás.
                - Muito bem, Tiberius! – bradou o homem coma uma voz rouca, seca e imperiosa, sorrindo e batendo no lombo da montaria de pelo marrom e crina aparada. – E você, criatura, devia se envergonhar por ousar roubar à sombra do Palácio do Duque! – falou, apontando para o rosto de Alarian enquanto este se levantava.
                O meio-orc contiuava sem entender o que se passava.
                - Vamos, devolva o presente de Sua Alteza!
                - Mas não sou eu o ladrão! – respondeu Alarian, inconformado.
                - Não tente enganar o Conde de Norfolk com palavras fáceis, moleque!
                Nessa altura uma pequena multidão havia se formado ao redor deles, assistindo em um silêncio tenso.
                - Mas não sou eu o ladrão, Conde! Eu estava em sua perseguição!
                Os dois pares de olhos azuis se confrontavam, quando:
                - O ladrão fugiu, Conde. Esse homem é inocente – sentenciou um guarda, que enfim chegara, esbaforido.

Ж

                Alarian escolhera uma estalagem barata pra ficar. Ele possuía pouco dinheiro, já que havia recusado o dinheiro oferecido pelo pai e gasto boa parte de sua economia para cruzar o mar. O desjejum era frugal como ele mesmo: água fresca e um bocado de pão. As manzorras verdes o dilaceravam com facilidade e ele mastigava com facilidade com seus dentes duros e colossais. A despeito de tudo a manhã amanhecera doce e primaveril e os pássaros conseguiam impor sua melodia aos burburinhos humanos.
                O sacerdote comia com os outros hóspedes da estalagem em uma mesa comprida de madeira grossa e ancestral, situada em um salão amplo, nos fundos da estalagem, suscetível aos deliciosos odores matutinos da cozinha. Havia outros cinco hóspedes no recinto, que não mais encaravam Alarian como uma aberração. O engano do Conde havia-o transformado em uma figura conhecida. De fato, o Conde de Norfolk era mais que uma figura folclórica; era um símbolo da cidade, para alguns até mesmo um herói. Assim, qualquer erro de sua parte adquiriria ares mitológicos. Alarian, portanto, estava a salvo de zombarias e desprezo. Se o Conde duvidara de sua idoneidade e admitira estar errado, não haveria quem atentasse contra a boa alma.
                O dono do lugar – um velho baixinho e atarracado, careca e imberbe – colocava mais pão na mesa, quando sua atenção foi atraída para a velha porta, que rangeu dolorosamente ante a chegada de um visitante. O velho se assustou e deixou a vasilha de pão cair. Era o Conde.
                - Muito bom dia meu Lorde! A que devo a honra de visita tão ilustre e em tão boa hora? Aceitaria alguma coisa de nossa cozinha? – se adiantou o homenzinho, atropelando palavras e gestos em tom de surpresa.
                - Bom dia, amigo! Não se preocupe com hospitalidade, vim apenas visitar um velho conhecido! – disse o Conde, com sua voz rouca e imperiosa.
                - Mas certamente posso providenciar para que sua estadia aqui seja a melhor possível!
                - Dispenso seus cuidados, camarada! Descansar! – bradou o Conde e sua risada alta tomou conta do salão. E depois sua tosse.
                - Muito me agrada vê-lo novamente, senhor – falou Alarian, consciente de ser o motivo da visita.
                - Principalmente não sendo sob os cascos de Tiberius! – uma nova risada, correspondida pelo padre. – Devo lhe informar, caríssimo sacerdote, que venho novamente implorar para que perdoe meu mau julgamento – agora o tom sério.
                - E devo lhe informar, novamente, que lhe concedo meu perdão, campeão de Norfolk! – respondeu Alarian, sereno – Por vezes até mesmo os mais sábios estão sujeitos a enganos!
                - Enganos são toleráveis, mestre Alarian, mas não quando atentam contra a honra de um homem bom! Permita que eu lhe recompense!
                - Não há dinheiro que pague por um perdão já concedido.
                - Sei disso, amigo, e não ofereço dinheiro. Ofereço-lhe minha vida!
                - Que hei eu de fazer com sua vida, quando ela é tão mais necessária por essas terras? Vejo em seus olhos uma nobreza rara, Conde, e por isso peço que releve enganos passados.
                - Seguirei com você, mestre Alarian, irei escoltá-lo para qualquer que seja seu destino!
                Os demais ocupantes do salão olhavam surpresos ao velho prestando honrarias ao estrangeiro.
                - És homem de estirpe e de terras, Conde. Como irá caminhar ao lado de criatura tão frugal e
desprovida de posses como eu? – Alarian respondeu, levantando-se e indo de encontro ao velho.
                - Já conversei com o Duque e ele foi favorável, mestre Alarian! Fui liberado de meus serviços para segui-lo, da maneira como lhe for mais conveniente – explicou o Conde, olhando fundo nos olhos do sacerdote.
                - Pois então aceito de bom grado sua companhia até Fianlall, nobre cavaleiro! – assentiu Alarian, com sorriso quente como há muito não esboçava.
                - Será uma honra servi-lo, meu senhor!

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                Alarian não pagou pelo quarto da estalagem; o dono recusou terminantemente o dinheiro de um amigo do Conde. Em retribuição pela gentileza, Alarian abençoou o local e então tomou estrada.
                Das chaminés do Palácio saía uma fumaça amarela, sinal da partida de amigos da casa Merievan. O homenzarrão e o Conde andavam lentos e em silêncio, seguidos por uma procissão de pessoas que temporariamente se despediam do velho Conde. Alguns estavam festivos, como sempre se observa em grandes porções de pessoas, mas o tom geral era de tristeza. Assim Alarian sentiu o que tirava daquele lugar até que chegasse à capital. E decidiu que seria breve.

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Balazanar e Anton caminhavam juntos há alguns dias, para o prazer de um e lamento do outro. Tomavam sempre os caminhos mais escusos e andavam dobrado para poder evitar alguma trilha mais conhecida. Sua viagem, contudo, não se atrasava, já que o Cavaleiro impunha um ritmo alucinante, rigorosamente acatado e seguido sem reclamações por parte do pequenino. Anton se admirou, até, e passou a respeitar um pouco mais o halfling.
Há uma semana eles haviam partido do extremo sul do reino de Hienlore e a essa altura já deviam estar cavalgando na metade norte. Seguiam por uma trilha antiga, abraçada de todos os lados por uma floresta úmida de árvores não muito altas, mas com galhos finos e retorcidos despontando ao redor. Um cheiro de podridão pairava palpável no ar estagnado e as montarias estavam incomodadas. Peludo e o cavalo de Anton eram puxados pelas rédeas e a todo momento eram arranhados por um galho mais longo; não havia altura para cavaleiro e montaria por aqueles lados. A cada passo o chão ficava mais e mais escorregadio e as árvores se fechavam cada vez mais, já tampando quase completamente o sol que se preparava para dormir.
- Parece que estamos perto do pântano de Minorwise – enfim falou Bala, rompendo o silêncio de várias horas enquanto espantava umas moscas.
- Minorwise fica um pouco mais a leste. Já esteve lá?
- Um homem pode conhecer todo o mundo da própria soleira, meu bom Anton! Basta encontrar as fontes certas! – bradou o halfling, triunfante.
- E o que foi que ouviu sobre o lugar?
- Nada que me faça ter vontade de conhecê-lo!
Anton resmungou alguma coisa e seguiu silencioso.
- Afinal, Anton, quem é a pessoa que você procura em Fianlall? – arriscou Balazanar.
O Cavaleiro estacou. Virou-se furioso.
- Quantas vezes já lhe falei pra não tocar nesse assunto? – ralhou Anton.
- Quando te conheci achei que a viagem ia ser mais divertida! – respondeu Bala, bufando.
- Há sempre a opção de seguir sozinho.
- Não, não, Anton, é caminho sem volta! Você nos embrenhou tanto por essas trilhas ocultas que já estou perdido. Não aguento mais a falta de conversa, Anton! Preciso de gente!
- Merda. Acho que suas súplicas lhe trouxeram algo, pequeno!
E Balazanar viu que a floresta lentamente se abria e que os últimos raios do sol mostravam mais à frente um pequeno vilarejo. E acelerou o passo.

Anton sentiu um arrepio. A visão de um vilarejo tão pequeno no cair da noite lhe trouxe lembranças.

4 comentários:

Muito foda MT, Li todos e sempre que terminava de ler ficava sem palavras. Eu sou o roteirista mas você escreve muito melhor haha! Que sorte eu tenho de ter amigos tão talentosos que me inspiram tanto! Eu iria ficar imensamente feliz se você continuasse a escrever, primeiro pela minha curiosidade, segundo para que você continue a praticar, melhorar e estimular a criatividade, quem sabe um dia não voltamos a escrever juntos?

=)
Muito obrigado Fox!
Talvez eu arrume tempo pra continuar com a história mais um pouco... e seria relamente muito bom se escrevêssemos juntos de novo!
De fato tenho tentado escrever mais e coisas mais diversas, pois isso é importante demais pra mim pra que eu simplesmente deixe de lado pra me dedicar a outras coisas.

MT dando discurso em vídeo é um lixo, escrevendo literatura de fantasia é um poeta.

Temo que juntar nós 3 e escrever. Quero continuar a história do meu livro e to pensando em fazê-lo aqui. O que acham? Já que é só vocês que leem mesmo. Penso que seria interessante unir o útil ao agradável. Ao publicar o livro aqui eu mantenho o blog atualizado e faço tudo num lugar só.

PS.: Ler isso aqui e ver o blog atualizado outra vez me deu um novo gás pra voltar a escrever.

eita Topão!
Acho que você deve manter o seu livro no tramadacriacao mesmo. Já tá tudo lá mesmo, não faz sentido trazer pra cá. Você tem é que postar outras coisas aqui, que você ache que seja do interesse de todos ou que você simplesmente queira nos mostrar.

Mas, de qualquer maneira, não pare de escrever.

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