segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Do outro lado da história

Os gritos são sempre tantos e tão altos que acabam por abafar o som seco do baque do objeto que se choca com o chão. Todos os olhares confluem para os dois personagens em primeiro plano naquele ato: o machado e o condenado.

Mas há sempre uma alma esquecida, talvez até mesmo por Deus, coabitando aquele palco. Uma alma de homem, talvez solitária, talvez preenchida por algum amor, se é que seres de mãos tão banhadas em sangue são capazes de amar. Terá algum dia uma mulher sido um algoz? Teria sido ela capaz de amar?

Não há perdão implorado, lágrimas ou súplicas que detenham aquelas mãos firmes, já calejadas, tanto quanto a alma. Mas quem é mais selvagem? A mão que decepa ou os sorrisos que se abrem ao menor sinal de sangue?

Alguém já se dignou a olhar nos olhos de um carrasco no momento da execução? Que angústias desesperadas aqueles olhos profundos devem carregar, conscientes do número de vidas em sua conta? Talvez por isso os algozes cubram o rosto; pra ocultar a hesitação não demonstrada pelas mãos. Pois se os olhos são a janela na alma, não há nada mais obscuro que o semblante de um executor.

Mas chega um dia em que cada cabeça cortada é apenas mais uma. As mãos já não precisam disfarçar a hesitação e nem sequer os olhos indicam qualquer sinal de vida. Não há nada mais que um homem morto levando a morte a um condenado. Pois não há vida que se sustente entre tantas perdas levadas.

Um carrasco é um eterno combatente sem um lado definido na guerra. Ele decepa os condenados e talvez depois os antigos mandantes. Seu machado afiado é cego, insensível à carne cortada. Mas o homem que o maneja, não. O que deve passar pela cabeça de um homem incumbido de executar o próprio pai ou o próprio filho?

Talvez por isso o algoz cubra o rosto; para que, ao menos por um instante, as pessoas se esqueçam de que ele também é um ser humano.

5 comentários:

Postar um comentário