segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Clepsidra

Ele abriu os olhos, mas depois se arrependeu. Em meio à penumbra ele conseguia ver as roupas jogadas pelo chão do quarto. Fazia frio e ele se enrolava cada vez mais no edredom. Deviam faltar algumas horas ainda para amanhecer. Confirmou pelo rádio-relógio no criado-mudo. Era melhor quando a cama era de solteiro, pensou. Melhor ainda se houvesse alguém roubando sua coberta, já que dois corpos se aquecem melhor do que qualquer cobertor.

Odiou ter acordado tão cedo. Tão desnecessário. Ainda mais ele, que viva com medo de dormir demais e perder a hora. O dia de hoje – pois já era hoje – ia ser bem cheio. Tudo o que não precisava era de olheiras, bocejos e um bafo de café.

Sempre, ao acordar, a cabeça parece pensar de uma só vez tudo o que não pensou durante a noite. Ou até, quem sabe, relembra tudo o que sonhou madrugada afora. Mas foi só a cabeça esfriar que ele começou a ouvir: splash... splash... splash...

Alguém não havia fechado a torneira direito. Como os pais estavam fora da cidade e os gatos não se aventuravam na pia, concluiu que havia sido ele mesmo o culpado. Amaldiçoou aquele último copo d’água. Mais ainda, amaldiçoou tê-lo lavado, tão logo bebeu. Tivesse ele sido mais relapso e estaria despreocupado agora.

Tentou ignorar o ruído. Splash... splash... splash... Virava e revirava na cama, mas não conseguia esquecer. Não sabia o que irritava mais: o som ou a sintonia perfeita entre um gotejo e o seguinte. Ah, aquele ritmo perfeito, sem sequer meia pausa pra estragar o compasso, devia ser o pior! Algum dia antes de inventarem o relógio alguém deve ter tido a idéia de usar gotas d’água para marcar o tempo, pensou. Tic tac, splash splash. Está aí. Mesmo que ambos fossem igualmente eficientes, o relógio soava menos desagradável. Explicado o sucesso.

Splash... splash... splash...

Estava naquele estado em que a vontade de dormir é tanta que não se consegue parar de pensar. E não conseguia esquecer aquele barulho irritante. E prestou tanta atenção nele que o sono veio vindo. Splash... splash...

Mas não!

Quando os olhos quase fechavam, uma gota se atrasou, seja lá por que motivo, e caiu depois. E veio depois mais outra atrasada. Mas depois voltou ao normal. Aquela mesma ordem de sempre. A pessoa que resolveu usar gotas como método de tortura teve essa idéia à noite, concluiu. E quando as gotas pareciam se encaminhar pr’aquele marasmo vinha uma mais lerdinha e estragava tudo. E depois tudo outra vez. Splash... splash... splash...

Juntou todas as suas forças. Ignorou a fome que ameaçava a surgir. Ignorou o frio cortante. Quiçá o medo de monstros no corredor, que tanto já o preocupara. Fechou a torneira.

E dormiu tranqüilo pelo resto da noite.

5 comentários:

Você deveria começar a escrever crônicas... e postá-las aqui, claro!!! Ótimo texto!!!

Foda MT! Concordo com o gui haha! Muito bem escrito.
Teve uma noite difícil?

Não!
Na verdade só ficava incomodado pelo fato de as gotas caírem de um jeito estranho... =D

"... e os gatos não se aventuravam na pia..."

Na verdade, se aventuram, sim. Tive provas disso quando fui passar aquelas noites com o Fox na casa da irmã dele. Os gatos iam beber água na pia do banheiro.

MT podia se tornar o contista do Eeeitapreula. Quem sabe a gente não abre umas colunas aqui?

hauaha

e vc acha q eu num lembrei dos gatos loucas da irmã do fox, Topão??

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