quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Sobre a Ciência e a Insistência

Ontem saiu o anúncio do ganhador do Nobel da Química de 2011. O israelense Dan Shechtman foi o laureado, pela descoberta dos quase-cristais. Não posso abandonar minha veia científica, de modo que vou ter que falar um pouco dessa descoberta antes de ir aos finalmentes.


A Ciência...

Os sólidos cristalinos apresentam os átomos dispostos no espaço de maneira ordenada e de modo a formar um padrão periódico. Essa periodicidade é tão evidente que as estruturas cristalinas podem ser representadas por pequenas representações espaciais que contém a informação das posições relativas dos átomos no cristal. Essas representações são chamadas de células unitárias e a estrutura do sólido é formada pela repetição “infinita” dessas estruturas, posicionadas de forma adjacente umas às outras e sem que haja sobreposição.

O que Shechtman observou no material com o qual trabalhava é que ele apresentava um padrão de difração de raios-X correspondente a um arranjo cristalino impossível de ocorrer. A imagem abaixo ilustra isso bem. O espaço pode ser completamente preenchido pela repetição de polígonos com 3, 4 ou 6 lados, mas não com os demais (como exemplificado com pentágonos). Dan observou um padrão que indicava que esse preenchimento ocorria com polígonos de 10 lados, o que ia contra toda a teoria cristalográfica até então.


Não, eu não tenho muito a manha de desenhar no Power Point!


Pouco tempo depois mostrou-se que esse padrão poderia ser obtido para estruturas com algum tipo de ordenamento de longo alcance, mas que não exibissem periodicidade. Ou seja: não era um cristal, segundo a definição clássica (daí o nome de quase-cristais). Pode parecer estranho, mas é a mesma idéia de um mosaico: mesmo que haja algum tipo de ordem formada pela disposição das inúmeras peças, não há periodicidade; ou seja, a estrutura não pode ser representada pela repetição de células unitárias. Os mosaicos, inclusive, foram um indispensável suporte para idealizar como o comportamento relatado por Dan se refletia em termos de estrutura atômica.


Mosaicos no Palácio de Alhambra, na Espanha. Os "mosaicos" de Shechtman possuem uma regularidade associada à proporção áurea, que também aparece na sequência de Fibonacci

A força da descoberta de Shechtman foi abrir as portas para toda uma nova ciência do estado sólido e fazer com que o conceito de cristal fosse revisto. Até hoje a elucidação de arranjos atômicos de quase-cristais é uma coisa complicada e até mesmo duvidosa, ainda dependendo do trabalho de vários pesquisadores.


... e a Insistência

Uma coisa que me chamou a atenção quando eu estava lendo sobre Shechtman e seu trabalho foi que ele precisou enfrentar uma multidão de cristalógrafos céticos. Assim que o tal “padrão que pode ser associado a polígonos de 10 lados preenchendo o espaço” foi observado por Dan, o coordenador de seu grupo de pesquisa deu a ele um livro básico de cristalografia e, logo em seguida, o “convidou a se retirar” do grupo. As primeiras revistas científicas para as quais o trabalho foi enviado o rejeitaram prontamente. Apenas um tempo depois, após Dan buscar ajuda de outros cientistas, é que o trabalho foi publicado. Ainda assim sob uma saraivada de críticas. Críticas que vinham até mesmo de gente como Linus Pauling, ganhador de um Nobel da Química e um da Paz.

Essa situação mostra duas coisas. A primeira delas é que mesmo homens brilhantes podem errar feio. Linus Pauling errou nesse caso. Feynman já defendeu teorias que vieram a cair por terra. Até mesmo o famoso Einstein coleciona alguns erros científicos notáveis.

A segunda é que não fosse a persistência de Dan e sua coragem ao enfrentar os céticos, talvez até hoje os quase-cristais seriam desconhecidos.

Tudo isso casou muito bem com coisas que passaram pela minha cabeça há alguns dias. Para o meu trabalho de Mestrado, optei por preparar parte das minhas amostras de uma forma que foi relatada em 2003. Estou há mais de um mês tentando reproduzir os experimentos feitos por alguém e até hoje não obtive amostras que eu considerasse boas o bastante (mas já estou perto!). É fácil persistir quando se sabe que algo é possível. Mas e quando a viabilidade é desconhecida?

Muitos dos grandes trabalhos científicos surgem quando alguém detecta uma oportunidade e trabalha exaustivamente em cima dela, mesmo não tendo certeza do êxito. E isso é realmente complicado. Quantos pesquisadores já não investiram quantidades vultosas de tempo (e dinheiro) em projetos que não deram em nada? Algumas coisas simplesmente não dão certo, ora bolas, independente do quanto você se esforce.

Por essas e outras gostei bastante de Dan Schechtman ter ganhado o Nobel.

A tempo, no site http://nobelprize.org há sempre excelentes textos sobre os trabalhos laureados, tanto no “nível de divulgação científica” quanto no “nível acadêmico”. Vale a pena dar uma conferida se o assunto interessar!

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