sexta-feira, 20 de abril de 2012

Babel


                Quase três meses se foram e ainda não me acostumei com o inglês. Ainda acho estranho, por vezes, ouvir as pessoas conversando na rua em um outro idioma. Soa irreal. Simplesmente não parece o som do mesmo mundo em que estou vivendo. Mas estranhamente essa sensação só aparece em situações menos diretas, envolvendo pessoas que eu desconheço e com um idioma que eu (supostamente) entendo. Isso não acontece, por exemplo, quando indianos ou chineses conversam em suas línguas natais ao meu redor.
                Um dia no laboratório dois colegas indianos conversavam em algum dialeto (comum a ambos, o que pode ser raro) e fiquei olhando aquilo, me perguntando sobre se os sons que ele faziam permitiriam expressar completamente as ideia que queriam. Ok, eu estava viajando. Mas essa questão continuou na minha cabeça por mais alguns dias. O que passou pela mina cabeça, basicamente, foi a seguinte pergunta: será que todos os idiomas são igualmente eficientes?
                Primeiramente, imagino (isso mesmo, sem embasamento nenhum) que duas pessoas completamente fluentes em um mesmo idioma conseguem se comunicar perfeitamente. Tomando o idioma como uma entidade dinâmica e considerando que as “línguas vivas” têm sido praticadas desde muito tempo, é bastante provável que já se arrumou um jeito de dizer tudo quanto há pra ser dito. O processo continua com uma criação infinita de novas palavras. Para o que não se consegue expressar com precisão, há sempre o trem, a coisa, o stuff.  Acho que a comunicação entre duas pessoas que partilham a mesma vivência do idioma é perfeita, independente do quão simples o idioma seja.
                Por outro lado, um idioma vai além do conjunto de palavras e seus significados diversos. Cada língua surgiu em meio a um povo, em um dado lugar e concomitantemente a algum processo histórico. Natural, portanto, considerar que cada idioma traz enraizadas várias particularidades. Acho que todo texto é passível de ser traduzido, pois tradução é a expressão da ideia em um outro idioma. Porém, a forma como a ideia é expressa pela linguagem é característica de cada povo. O exemplo mais claro que tenho comigo é quando os americanos vão contar um caso e se referem a um terceiro como “this guy”. Analisando a construção ao pé da letra, pode-se pensar que há uma suposta intimidade entre o ouvinte e o protagonista da história, a qual muitas vezes simplesmente não existe. Isso ficou claro pra mim quando ouvi um brasileiro, que mora há anos nos EUA, me contar sobre “esse cara”; jeito de pensar próprio de um lugar sendo exercido em outro idioma.
                As características dos nossos códigos de comunicação influenciam não só o relacionamento com as pessoas, mas também a forma como o mundo é visto. No fim do ano passado eu comecei a ler um livro sobre matemática que trazia umas divagações sobre o sistema numérico e a noção de quantidade. Não garanto que farei um relato preciso sobre o livro, mas será o mais fiel que eu conseguir, de acordo com o que lembrar. Lá é dito que no sistema de uma aldeia indígena do Brasil (não recordo o nome) existe o número zero, o número um e o número muito. É possível dizer, portanto, que existe uma coisa, existem muitas coisas ou que não existe coisa alguma. Aparentemente, como supus acima, a comunicação entre eles é eficiente, a despeito dessa aparente limitação. Entretanto isso influencia a capacidade de estimativa desses indígenas.
                Conseguimos, com nosso sistema numérico, diferenciar e ordenar quantidades maiores que a unidade. Assim, com uma rápida inspeção podemos dizer que há dois, três, cinco objetos sobre uma mesa. Esse indígenas poderiam te dizer que há mais de um. Se eles aprendessem nossos símbolos eles poderiam fazer essa mesma distinção. O interessante é que a capacidade de estimativa – bater o olho e chutar quantos objetos têm – deles vai ser diferente da nossa. Simplesmente, por mais que eles aprendam a contar como nós fazemos eles ainda vão pensar em zero, um e muito. E o estudo vai além: aumentando-se o número de coisas, a capacidade de estimar a quantidade dessas coisas piora. Distinguir 5 de 4 coisas é fácil; distinguir 20 de 19 é difícil, pois já está bem além no muito com que estão habituados. Esse comportamento é o mesmo observado em crianças criadas com nossa cultura, quando começam a assimilar o nosso jeito de contar.
                A conclusão a que cheguei, então, foi que todos os idiomas permitem uma comunicação efetiva; tudo pode ser dito e tudo será entendido. Entretanto, os caminhos por que passam essa comunicação podem ser bem diferentes.