Quase três meses se foram e
ainda não me acostumei com o inglês. Ainda acho estranho, por vezes, ouvir as
pessoas conversando na rua em um outro idioma. Soa irreal. Simplesmente não
parece o som do mesmo mundo em que estou vivendo. Mas estranhamente essa
sensação só aparece em situações menos diretas, envolvendo pessoas que eu
desconheço e com um idioma que eu (supostamente) entendo. Isso não acontece,
por exemplo, quando indianos ou chineses conversam em suas línguas natais ao
meu redor.
Um dia no laboratório dois
colegas indianos conversavam em algum dialeto (comum a ambos, o que pode ser
raro) e fiquei olhando aquilo, me perguntando sobre se os sons que ele faziam
permitiriam expressar completamente as ideia que queriam. Ok, eu estava
viajando. Mas essa questão continuou na minha cabeça por mais alguns dias. O
que passou pela mina cabeça, basicamente, foi a seguinte pergunta: será que
todos os idiomas são igualmente eficientes?
Primeiramente, imagino (isso mesmo,
sem embasamento nenhum) que duas pessoas completamente fluentes em um mesmo
idioma conseguem se comunicar perfeitamente. Tomando o idioma como uma entidade
dinâmica e considerando que as “línguas vivas” têm sido praticadas desde muito
tempo, é bastante provável que já se arrumou um jeito de dizer tudo quanto há
pra ser dito. O processo continua com uma criação infinita de novas palavras. Para
o que não se consegue expressar com precisão, há sempre o trem, a coisa, o stuff. Acho que a comunicação entre duas pessoas que
partilham a mesma vivência do idioma é perfeita, independente do quão simples o
idioma seja.
Por outro lado, um idioma vai
além do conjunto de palavras e seus significados diversos. Cada língua surgiu
em meio a um povo, em um dado lugar e concomitantemente a algum processo
histórico. Natural, portanto, considerar que cada idioma traz enraizadas várias
particularidades. Acho que todo texto é passível de ser traduzido, pois
tradução é a expressão da ideia em um outro idioma. Porém, a forma como a ideia
é expressa pela linguagem é característica de cada povo. O exemplo mais claro
que tenho comigo é quando os americanos vão contar um caso e se referem a um
terceiro como “this guy”. Analisando a construção ao pé da letra, pode-se
pensar que há uma suposta intimidade entre o ouvinte e o protagonista da
história, a qual muitas vezes simplesmente não existe. Isso ficou claro pra mim
quando ouvi um brasileiro, que mora há anos nos EUA, me contar sobre “esse cara”;
jeito de pensar próprio de um lugar sendo exercido em outro idioma.
As características dos nossos códigos
de comunicação influenciam não só o relacionamento com as pessoas, mas também a
forma como o mundo é visto. No fim do ano passado eu comecei a ler um livro sobre
matemática que trazia umas divagações sobre o sistema numérico e a noção de
quantidade. Não garanto que farei um relato preciso sobre o livro, mas será o
mais fiel que eu conseguir, de acordo com o que lembrar. Lá é dito que no
sistema de uma aldeia indígena do Brasil (não recordo o nome) existe o número zero,
o número um e o número muito. É possível dizer, portanto, que existe uma coisa,
existem muitas coisas ou que não existe coisa alguma. Aparentemente, como supus
acima, a comunicação entre eles é eficiente, a despeito dessa aparente
limitação. Entretanto isso influencia a capacidade de estimativa desses
indígenas.
Conseguimos, com nosso sistema
numérico, diferenciar e ordenar quantidades maiores que a unidade. Assim, com
uma rápida inspeção podemos dizer que há dois, três, cinco objetos sobre uma
mesa. Esse indígenas poderiam te dizer que há mais de um. Se eles aprendessem
nossos símbolos eles poderiam fazer essa mesma distinção. O interessante é que
a capacidade de estimativa – bater o olho e chutar quantos objetos têm – deles vai
ser diferente da nossa. Simplesmente, por mais que eles aprendam a contar como
nós fazemos eles ainda vão pensar em zero, um e muito. E o estudo vai além:
aumentando-se o número de coisas, a capacidade de estimar a quantidade dessas
coisas piora. Distinguir 5 de 4 coisas é fácil; distinguir 20 de 19 é difícil,
pois já está bem além no muito com que estão habituados. Esse comportamento é o
mesmo observado em crianças criadas com nossa cultura, quando começam a assimilar
o nosso jeito de contar.
A conclusão a que cheguei,
então, foi que todos os idiomas permitem uma comunicação efetiva; tudo pode ser
dito e tudo será entendido. Entretanto, os caminhos por que passam essa
comunicação podem ser bem diferentes.