Ouvi falar esses dias desse projeto, "O Livro do Fim do Mundo".
O Velho, o Começo e o Fim
Dessa vez era diferente. Não sabia como nem por que, mas estava certo de que era diferente. O fim do mundo se aproximava. Mais uma vez. E talvez pela segunda ou terceira naquela semana. Só que agora o final não ousaria se atrasar novamente.
Esses pressentimentos, quase certezas, iam e vinham já há décadas. Mas o mundo sempre passava a perna nele e respirava por mais algum tempo. Mas agora não tinha mais saída, ele sabia. E tinha tão pouco tempo! Menos de uma hora! Sempre pressentia o momento do fim, mas nunca conseguia prever o modo como tudo acabaria. Uma bomba, talvez; quem sabe um asteróide imprevisto; tampouco ousava descartar aquele dragão que arrastaria o céu com a cauda.
Tudo começou quando ele ainda era moço, naquela idade em que qualquer detalhe frouxo pode ser alvo de uma curiosidade infinita. E foi bem ali, mexendo nas antiguidades que a avó insistia em guardar que teve o primeiro vislumbre. Uma fraqueza indizível se abateu sobre seu corpo e ele desabou. Estava mudo de desespero e não conteve as lágrimas rápidas. E ali ficou prostrado por coisa de um quarto de hora.
E o mundo, sabemos, não acabou. Mas isso pareceu não importar.
A consciência do fim fatalmente leva à dúvida quanto ao princípio e o jovem passou a se perguntar sobre as coisas do Universo. Muito pensou e estudou. Por fim, decidiu que a existência é cíclica e que a todo fim imediatamente se sucede um reinício. Mas se afinal tudo é um ciclo, pensava, não há princípio, meio e final exatos, uma vez que qualquer ponto pode ser os três ou nenhum com a mesma probabilidade. Mas percebeu uma implicação fantástica: se por acaso observasse com cuidado o fim, sua última visão deveria ser exatamente o começo. E os pressentimentos voltaram mais vezes, mas agora a agonia incontida dera lugar à excitação e à ansiedade.
Mas os homens adoram ir contra a lógica. Imagine que o mundo acabe. Saber que o mundo beira o fim não mudará nada – um instante depois tudo é pó, é nada e talvez uma semente de um tudo futuro. Assim, qualquer aviso a qualquer pessoa é nada mais que inútil. Mas de alguma maneira aqueles pressentimentos vinham com uma certa dose de culpa. E ele resolveu contar que o mundo acabaria e quando isso iria acontecer.
Comoção, desespero, indiferença e esperança foi o que ele causou nas pessoas que passavam pela avenida enquanto ele anunciava o fim. E depois de novo. E de novo. E mais. Foi quando a família resolveu interná-lo.
Agora tudo se repetia, mas – e não sabia como – sentia uma coisa diferente. Agora ele estava certo. Como tantas vezes fizera, subiu em uma cadeira, no centro do pátio e inflou o peito, com ar solene. E mais uma vez se pronunciou sobre o fim dos tempos. E mais uma vez foi ignorado.
A verdade é que pouco dos internados davam atenção ao velho. Cada um estava preocupado demais com as questões de seus próprios e indescritíveis universos. Os enfermeiros acompanhavam todo aquele teatro atentamente. Alguns até se divertiam pensando em quantos apocalipses aqueles cabelos brancos já haviam previsto.
Mas o velho já não se incomodava já há muito com a descrença dos outros. Sentia-se com o dever cumprido. E então sentou e aguardou pelo fim.
Como tantas vezes fizera.
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