Todo homem tem seu preço.
O que muda é o valor e aquilo que se pode conseguir dele.
Alguns particularmente não cobram muito, ainda que se ofereçam para fazer o serviço sujo. Basta oferecer alguns litros de um destilado escocês barato que eles lhe venderão a alma. Mas nem espere um serviço bem feito, ou tampouco fidelidade. Eles não são pagos pra isso.
Conheci certa vez, nas terras altas, um homem singular. Seu serviço não era muito caro, ainda que as despesas fossem altas. Por trás da barba emaranhada e das unhas sujas havia um velho apreciador de um bom whisky. Não vá pensando que se trata de um sujeito de certo modo refinado. A grosseria e o bafo de álcool põem por terra qualquer falsa impressão. Mas sabe como é. Garganta velha não se engana fácil. Seu nome? John Barleycorn.
Tudo que sei dele consegui costurando crônicas esparsas ou confiando nos relatos de bêbados. Ele era do tipo que não falava muito do passado. Mas uma leve análise da sua fisionomia já sugeria mil estórias. Seu corpo parecia ser marcado por grandes cicatrizes e sua alma parecia ser tão manchada que já não existia salvação. Cada vez que seus passos mancos eram ouvidos se aproximando de algum pub um burburinho arrebatava o lugar, com seus feitos e desfeitos sendo cochichados por todos. Ouvi dizer que ele era um monstro, que havia silenciado as súplicas misericordiosas de uma mãe solteira metendo uma bala na garganta da infeliz. Ouvi dizer que era um herói, que certa vez cambaleou bêbado rumo às entranhas de um barraco em chamas para salvar uma criança. E não recebeu nem meio penny por isso.
Contam que ele queria ser padre, mas que acumulou tantos pecados antes da consagração que acabou arrumando um jeito menos decente de cuidar de almas. Já ouvi de uns mal-nascidos que o diabo já carregou um crucifixo enrolado na mão que puxava o gatilho. Não sei o que é mais estranho: um executor ter fé em alguma coisa ou no que ele tem fé. Não se vêem muitas cruzes aqui na Ilha.
Seja como for, o diabo do homem tem presença. Quando ele aparece todo mundo se cala. Já topei com ele uma vez quando seu rifle ainda estava quente. Juro que vi até uma fumaça saindo do cano. Naquela noite rezei pela alma que ele havia despachado. Descobri depois que o morto era um velho camarada, sempre metido em encrencas com quem não devia. Naturalmente deixei barato.
Algo me diz que a conta sai cara pra quem tenta cobrar algo do velho John.
4 comentários:
Sabe o que isso me lembrou? Que o mesmo tal VON LICHTENSTEIN ficou de mestrar uma campanha e que eu iria interpretar esse velho rabugento. Até hoje ainda penso em como seria essa aventura.
PS.: Esse texto ficou tri legal massa.
Muito massa!!!
Oxente! Si tu iscrivinha duma manêra mais regionalista já pudinha vendê as prosa pro tar di Guimarães Rosa, que já faleceu mas num importa... Mas tinha que sê ambientado no sertão sô...
*mistura de mineiro com baiano com caipira?
huahuahuahu
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